Alexandre Vannucchi Leme e nós.

Marcelo Guimarães Lima



Marcelo Guimarães Lima, Retrato de Alexandre Vannucchi Leme, 2023

Em 1973 eu estudava filosofia na USP, nos barracões improvisados como salas de aulas enquanto o novo prédio da FFLCH no campus não saia do papel. Era meu segundo ano de estudos e naquele semestre eu frequentava o curso noturno. Naquela noite, início das aulas, alguém avisou pelo corredor do barracão do curso de filosofia sobre a prisão do estudante de geologia, Alexandre Vannucchi. Houve uma pequena movimentação entre os alunos, discreta pois o clima era de muita tensão.

Eu me dirigi para a entrada da vizinha Escola de Comunicações, cujo diretor era tido como pessoa de alguma forma ligada ao regime e portanto à repressão. Havia ali uma pequena concentração de estudantes de várias unidades. Em grupos, comunicavam e discutiam muito discretamente sobre a prisão. A própria concentração era já uma “manifestação silenciosa”, isto é, um protesto evitando discursos, cartazes, palavras de ordem, etc., mas significativo dentro do clima de terror imposto pela ditadura empresarial militar. Um protesto solidário contra a prisão do estudante e contra a inação, e mesmo o que se apontava como cumplicidade de determinadas autoridades universitárias.

Eu não conhecia pessoalmente Alexandre, mas sabia algo da sua atuação no movimento e na representação estudantil dentro da universidade. Motivo suficiente para prestar minha solidariedade e para protestar da forma possível, ou impossível nas circunstâncias, contra a maldita ditadura, seus políticos, seus empresários apoiadores da repressão, seus vários cúmplices, seus assassinos torturadores e seus militares lesa-pátria.

Nossa mera presença frente ao prédio universitário naquela noite sombria, sem estrelas, num campus anoitecido e adormecido, era já um desafio ao terrorismo do estado policial militar brasileiro no espaço da universidade. Esperávamos a repressão policial a qualquer momento, o preço a pagar por nosso inconformismo e protesto. A repressão afinal não veio naquela noite, teriam talvez tarefas mais urgentes, ocupados em seviciar um estudante encarcerado por suas opções políticas, um jovem sem defesas diante da covardia inominável de torturadores profissionais. Todo torturador é um covarde, como são covardes seus mandantes e apoiadores.

A repressão não veio nos dispersar naquela noite no campus da USP. A justiça também faltou naquele momento, faltou para Alexandre, para todos os opositores da ditadura empresarial militar e para o país. Como falta até hoje. A justiça falhou no Brasil e continua a falhar. Até quando?

No Brasil do século XXI, torturadores, apoiadores e mandantes da tortura ainda dormem tranquilos. Assim como, dormem tranquilos todos os que facilitaram e lucraram com a ditadura. Entre eles, como um dos fatores importantes do período ditatorial, os grandes grupos da mídia comercial brasileira. Os mesmos que promoveram o golpe de 2016, e que hoje ensaiam novos golpes contra o governo popular de Lula da Silva.

De nosso lado, temos a memória, isto é, a lembrança permanente do valor e da coragem de nossos mortos como Alexandre e tantos outros. Ela nos guia no caos produzido e administrado pelos que lucram com a opressão e a miséria material e moral do nosso povo. Em nós vive a indignação de Alexandre contra a miséria e a opressão imposta aos brasileiros, em nós permanecem a indignação e coragem de todos os caídos nas lutas contra a tirania, a mentira, a violência, a covardia e hipocrisia dos opressores no Brasil ontem e hoje.





A TERRA É REDONDA



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