Bóris lá e cá

Marcelo Guimarães Lima

 

A vitória acachapante da direita na recente eleição inglêsa tem naturalmente suas razões de ser. Entre elas, a enorme campanha difamatória da mídia inglêsa, incluindo o "left-liberal" The Guardian, contra Jeremy Corbyn e sua ala do Labour Party.

Lá e cá bufões de direita e extrema-direita são eleitos, com o vigoroso suporte, direto e "indireto", da imprensa, para "administrar" a crise capitalista local e global. Curiosos representantes dos donos da grana, representantes cujos talentos "administrativos" se mostram bastante limitados, digamos caridosamente, e , no entanto, enquanto trapalhões profissionais são admiravelmente adequados à função de  alimentar o sinistro espetáculo circense da política na era neoliberal e produzir conflitos constantes que desfocam as questões essenciais e contribuem para a desorientação geral da maioria dos eleitores e de todo mundo mais, incluindo os adversários do neoliberalismo, a esquerda anti-neoliberal e a crítica progressista, com ou sem aspas.

 A derrota de Corbyn, segundo alguns analistas, deve-se à sua posição ambígua ou equívoca de última hora sobre o destino do Brexit. Dúvida expressa que chocou-se contra a  vontade explicitada e inabalável da maioria. Na imaginação da maioria dos eleitores na Inglaterra, o Brexit é uma resposta contundente à Europa Neoliberal, aquela que, entre outras ações e decisões, submeteu o povo grego no passado recente a um regime de miséria planejada, retirou a soberania monetária (e portanto política) dos países membros, promove por um lado a retirada de direitos dos trabalhadores (razão dos atuais protestos massivos na França) e do outro a livre circulação de profissionais, trabalhadores e aspirantes vários ao trabalho no espaço europeu (vista como "invasão"e concorrência desleal  pelas vítimas locais da política de austeridade), em suma: a Europa que viabiliza o controle sem respiro, o estreitamento de horizontes da vida cotidiana, a deterioração das condições de vida da maioria pelo capital financeiro.

Paradoxo dos paradoxos: o Brexit comandado de fato pelos neoliberais conservadores deverá, na imaginação popular, recuperar a autonomia do país e defender as conquistas populares de outros tempos, entre elas o sistema nacional de saúde ! Neoliberais "de casa" são chamados pelas urnas a enfrentar os neoliberais "cosmopolitas". Que o resultado deste embate no essencial reafirma a austeridade, a precarização da vida  e a subordinação nacional  parece menos evidente para a maioria. Consumado o Brexit, é na órbita exclusiva do capital "nacional" norte-americano que a Inglaterra será administrada. A familiaridade atual deste processo não impedirá o agravamento da crise e nem, cedo ou tarde, a desilusão dos eleitores do Brexit. Quando isso acontecer, será talvez possível um olhar retrospectivo identificar no atual débâcle eleitoral dos trabalhistas uma espécie de "vitória de Pirro" dos conservadores.

Na América Latina vemos presidentes popularmente eleitos com programas neoliberais sendo derrotados, como Macri na Argentina, ou contestados nas ruas pela sublevação popular como Piñeda no Chile e Duque na Colômbia. Na Bolívia o golpe de estado sangrento enfrenta e enfrentará no futuro próximo a resistência popular em muitas formas.

No Brasil uma boa parte da esquerda institucional aguarda as próximas eleições para derrotar o neofascista no poder, como se eleições fraudadas fossem acidentes improváveis ou fenômenos irrepetíveis.  Eleições nos tempos atuais, como no exemplo da Inglaterra entre outros, não caem do céu da democracia para a terra das livres escolhas das massas, mas são processos cuidadosamente estruturados e direcionados. Se o passado recente pode servir de guia, perguntamos: o que impede a Rede Globo de eleger Moro presidente em eleições "democráticas" dentro do mesmo processo golpista que nos deu o atual presidente, o nosso Bóris, apenas mais grotesco, perverso e violento?


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