Jair Bolsonaro está pedindo pra sair... e não sabe

Marcelo Guimarães Lima






M G Lima - Pede pra sair, Bozo, 2020



O discurso do presidente “acidental” do país ontem foi, por um lado, cansativo na sua brevidade mesma, por outro, uma espécie de “catarse” individual de quem precisa provar a cada passo sua lealdade a si mesmo, ou melhor dizendo, aos seus fantasmas pessoais e, na sequência, aos seus seguidores.

Segundo críticos mais impacientes, bolsonaristas são como uma espécie de legião de “mortos-vivos” de reduzida capacidade cognitiva e desprovidos de empatia para com os seus dessemelhantes, são pessoas que na figura do seu líder observam contempladas as certezas profundas de quem são e do mundo em que vivem no momento em que a realidade parece contradizer as autoafirmações e autoconfianças mais arraigadas. Certezas que lhes são conferidas e confirmadas pela figura do ex-militar de carreira pouco honrosa, pelo político profissional de atuação medíocre, pelo representante político do baixo clero parlamentar a quem a classe dominante brasileira outorgou a presidência para salvaguardar o controle do estado e da sociedade e impedir transformações, ainda que modestas, nas relações de classe no Brasil, em meio à crise capitalista mundial.

Mordendo e assoprando numa mesma frase, Jair Bolsonaro repetiu seus ataques à imprensa, esta mesma imprensa à qual deveria ser eternamente grato pois ela de fato possibilitou sua eleição.  O capitão aposentado agrediu políticos, opositores.  Exibindo seu enfadonho e abissal narcisismo agrediu, desdenhou a opinião pública, reiterou suas mais do que conhecidas opiniões (irrelevantes) sobre o momento, sobre si mesmo e o seu (des)governo, sobre o país e, tal qual um oráculo de infinita sabedoria, sobre o mundo, a ciência médica, a biologia, etc., etc., com argumentos desalinhados, meias verdades constituindo, como de hábito, mentiras completas, erros evidentes e falsas informações, amálgamas impróprios, com a lógica típica daqueles que por causas diversas, psicológicas ou mesmo biológicas, isto é, somáticas, fisiológicas, tem dificuldades de negociar um caminho mais eficaz e sensato, menos dispendioso e arriscado para si e para os outros, de adaptação a uma realidade indiferente e/ou hostil aos desígnios humanos em geral.

Uma sociedade internamente desequilibrada, num mundo em evidente desequilíbrio, se espelha no ex-militar cujo “sucesso” político, chegando ao posto máximo do estado brasileiro, foi construído na premissa do fracasso histórico de toda uma nação. Essa premissa faz parte do ADN - ou DNA- da lumpemburguesia  (lumpenbourgeoisie) brasileira em sua formação dependente e em seu núcleo duro, hegemônico e, digamos assim, “transhistórico”, apesar de algumas dissidências pontuais sem a necessária eficácia em determinados contextos.

Para manter uma nação inteira refém dos desígnios de uma minoria ciosa do seu poder de fato, agressiva e sem controle, é necessário reiterar por todos os meios, com atos e palavras, o “fracasso” nacional, internalizar como “destino” geral e culpabilidade distribuída o que de fato é projeto, consciente na sua dimensão prática, daqueles que se beneficiam largamente da “anomia”, do atraso, da dependência, das contradições e desequilíbrios da formação brasileira.

Jair Bolsonaro é o retrato escarrado deste projeto de antinação e antissociedade. E esta sua representação sem ambiguidades que foi talvez seu maior trunfo, torna-se agora o índice de um fracasso anunciado. O rei nu e desavergonhado é, na sua nudez, espetáculo por demasiado grotesco e improdutivo, num momento de crise do sistema mundial, para a continuidade do processo golpista oficialmente inaugurado em 2016. Ultrapassamos o limite do tolerável para a maioria.

As crises da economia e da saúde mundiais, que se conjugam no momento, tem como resultado imediato uma reordenação de perspectivas individuais e coletivas. Estamos de fato num ponto de inflexão no qual as “verdades” de ontem já não respondem aos desafios prementes de hoje. Certamente não há soluções fáceis ao impasse presente. Mas há tempos em que a dificuldade de manter as coisas “como são e estão” é maior, mais dolorosa que a mudança por mais difícil que seja.

O ex-militar e líder de extrema direita oferece ao país e ao mundo o seu voluntarismo como resposta única e reiterada para as dificuldades presentes. Devemos reconhecer que é preciso doses iguais de muita audácia e inconsciência para tanto.

Quer me parecer que a máscara de confiança tentativamente exibida por Jair Bolsonaro na televisão tem um quê de patético: como se o olhar, algo maquinal e ao mesmo tempo pouco seguro, desmentisse o sorriso esboçado e as palavras de afirmação.

Jair Bolsonaro não sabe mas está pedindo pra sair. Como pede o Brasil hoje.

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