Só a terapia cognitiva nos salva!

 Marcelo Guimarães Lima





O comunicólogo Camilo Aggio escreveu na Carta Capital  uma contundente crítica ao documentário do jornalista Joaquim de Carvalho sobre o atentado contra o então candidato a presidente Jair Bolsonaro..

Li a crítica e ficaram algumas vagas indagações que anotei “ad libitum”.

"Foi com bastante espanto e muita curiosidade que acompanhei a repercussão do documentário do site Brasil 247" – escreveu o articulista. Não entendi muito bem a razão do espanto inicial: a facada do Jair seria um tema no qual não se deve tocar? Tema impróprio a priori segundo entendi.

“Apesar da semana tumultuada de muito trabalho por conta do fim do semestre na Universidade Federal de Minas” o crítico resolveu comentar – achei esta informação completamente irrelevante, o articulista chama a atenção para si e confirma uma certa má vontade inicial para com o assunto, já expressa na abertura do texto.

Conspirações são, por definição, explica o autor “ações de um pequeno grupo de indivíduos que atuam em segredo em favor de seus interesses e contra a vontade geral”. Caramba, verdadeiramente inverossímil!  Até as pedras do caminho sabem que conspirações simplesmente não existem.  Sérgio Moro e Dalanhol, por exemplo, não tinham ideia das ilegalidades que cometiam afim de prender Lula. Agiam de boa fé no interesse da maioria, a favor da vontade geral (vide Rousseau) made in Globo, verdadeiros paladinos da justiça.

O autor do documentário, segundo o crítico, é “um objeto de si próprio” no documentário. A este respeito vide os parágrafos 2 e 3 acima:  o autor da crítica discorre como “objeto de si próprio”, algo não incomum entre acadêmicos que escrevem (alguns de modo algo condescendente) para o chamado “público em geral”, gente que precisa ser benevolentemente dirigida desde logo para as conclusões corretas.

“ Não há nada de novo no documentário” só frágeis ilações com música dramática ao fundo. Pode ser, não vi o documentário mas li esta crítica e, generalizando “filosoficamente”, diria que qualquer reportagem ou qualquer texto crítico enquanto “criação humana” é passível de crítica, ninguém é perfeito, diz a sabedoria popular. A verdade (bastante genérica) desta afirmação certamente não exime ninguém de escrever textos críticos ou realizar documentários “mal costurados”.

Aliás, toda a forma de comunicação de ideias ou “fatos” tem seus moldes próprios ou limitações, sejam textos ou documentários “com música dramática”. Evidentemente, a forma tem o seu “conteúdo próprio” que gera interessantes relações e tensões entre o que se apresenta ou representa e como se apresenta ou representa determinado conteúdo segundo as normas ou imposições dos diferentes meios.  A música dramática num documentário, por exemplo, é como o tom impaciente, condescendente, num texto: um “suplemento” bastante significativo antecipando (indevidamente?) aquilo que deveria ser apresentado ao final de modo argumentativo apenas como conclusão lógica, racional, equilibrada, desapaixonada.

Assim parece se apresentar o autor da crítica: na retórica (em sentido formal) do texto o autor é um sujeito equilibrado que não se deixa levar pelos extremismos da direita ou da esquerda, intelectual do “justo meio termo” aristotélico, acima das polêmicas do vulgo.

Como saudavelmente cético em face de todas as teorias da conspiração, parece acreditar que a eleição de 2018 transcorreu dentro das normas ideais da democracia. Não há nada a dizer da eleição legítima de Jair Bolsonaro:  ganhou e levou. E quem não concorda é simplesmente mau desportista que não admite derrota, ou gente ignorante que não conhece os fatos. Tanto a extrema direita quanto a esquerda são culpadas de “petitio principii” (quando as conclusões precedem as premissas) nas suas teorias mirabolantes e, portanto, merecedoras de justo desdém. 

Karl Popper, insigne defensor da “sociedade aberta”, é chamado pelo crítico como autoridade no assunto das conspirações teóricas. Mas talvez não seja a melhor referência já que, no papel de ideólogo liberal, segundo especialistas extrapolando sua competência sobre a história da filosofia como disciplina rigorosa, atribuiu a Platão e Hegel (conspirativamente?) alguns dos males sócio-políticos típicos do século XX.

Em conclusão: o crítico, tal qual um novo Sócrates no debate público, é neste texto um terapeuta cognitivo e comportamental a nos prevenir decisivamente contra as armadilhas das teorias conspirativas que apenas contribuem para a confusão mental generalizada.

É preciso que todos saibam que não existem minorias poderosas agindo longe dos olhares públicos, por intermédio de prepostos bem remunerados, em defesa de seus interesses exclusivos.

De um lado fakeadas (ilusão cognitiva de esquerda) de outro negacionismos (ilusão cognitiva de direita): é tudo a mesma coisa, são ilusões perniciosas. Assim que a terapia cognitiva libertar todo mundo de tais ilusões tudo vai se arranjar, o país vai voltar imediatamente à....normalidade, mesmo que não seja possível dizer exatamente qual a norma ou normatividade que deverá prevalecer: a deles, a nossa, outra qualquer?

Ilusões subjetivas são perigosas. Como nos mostrou o clássico exemplo daquele jovem teórico alemão que cuidava salvar vidas por meio da terapia cognitiva: removida a ilusão da gravidade, do peso corporal, ninguém mais morreria afogado nos rios, praias ou piscinas.

 

 

 

 

 

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