Uma modesta proposta para a “reconstrução” do monumento ao bandeirante Borba Gato
Marcelo Guimarães Lima
Marcelo Guimarães Lima - Proposta para o momumento Borba Gato, 2021
Nosso projeto é inspirado no genial Jonathan Swift que em 1729 na Inglaterra teve uma brilhante, caridosa e altruística ideia para combater a miséria crescente das classes populares em seu tempo no panfleto: A Modest Proposal For preventing the Children of Poor People From being a Burthen to Their Parents or Country, and For making them Beneficial to the Publick (Uma modesta proposta para evitar que os filhos dos pobres se tornem um peso para os pais ou para o país mas possam ser um benefício para o público).
A proposta
de Swift (modestamente publicada como panfleto anônimo) era a adoção do canibalismo
de crianças pobres as quais de estorvo presente se transformariam em fontes de
nutrientes para as classes famintas da sociedade. Um belo exemplo da razão
instrumental, aquela que se atém aos meios de atingir certos resultados, e uma
proposta precursora da ideia neoliberal dos nossos tempos como defendida, entre
outros, pelo nosso valoroso e sensível ministro da economia e devidamente
implementada pelo congresso nacional.
Esta nossa proposta nasce de uma preocupação de equilíbrio desejado e legítimo entre as forças políticas do país. Nossa proposta de reconstrução do finado monumento, neste contexto de disputas desnecessárias, contempla magnanimamente gregos e troianos. A estátua do bandeirante, que alguns críticos subjetivamente qualificam de “aberração estética”, permanece com alguns adendos que restauram a (meia) verdade histórica da atuação dos valorosos e, infelizmente, algo agressivos caçadores de índios, conquistadores de território para a nação na tradição historiográfica dominante. Obra meritória dos bandeirantes na perspectiva do tempo presente e da qual nos beneficiamos hoje, mas que, infelizmente, resultou em desapropriações e mesmo desafortunados morticínios para os habitantes nativos deste vasto território brasileiro, anteriormente território tupi-guarani e das demais etnias dos denominados povos originários.
Na nossa
modesta proposta a resistência dos povos indígenas é reconhecida sub-repticiamente
e assim é contemplada a ação simbólica dos que, impacientes com a sua situação mais
e mais precária de trabalhadores e trabalhadoras uberisados e uberisadas, num
país dirigido com mão firme por monopólios e oligopólios (cada vez menos) nacionais
associados e subordinados aos monopólios transnacionais, estes trabalhadores, dizíamos,
transformaram a indignação em temerária ação contestatória: ação direta, seguramente
sem saber ou atentar que se trata de verdadeira heresia política que vem
perturbar o sono dos donos do país e mesmo de muitos da oposição até aqui consentida.
Impacientes,
estes trabalhadores atentaram contra o monumento paulista “confundindo” a
situação das classes subordinadas de hoje com os grupos sociais escravizados do
passado. Resultado, seguramente, de uma
falta de educação acadêmica em sociologia e história. Usar os eventos e
símbolos do passado histórico para justificar ações presentes é expressamente
vedado aos filhos do povo. É algo que só a classe dominante pode fazer em boa
consciência e com a assessoria de especialistas acadêmicos de reputação ilibada
e saber especializado oficialmente reconhecido. O monumento do bandeirante foi
criado como tributo aos valores morais e valores estéticos, quer dizer, a
generosidade e o gosto refinado da elite de São Paulo representando a elite
brasileira. Cumpriu este papel com fidelidade, devemos reconhecer.
Caindo de
paraquedas do ceú azul, sem que ninguém esperasse e sem pedir licença, a ação semiclandestina
do grupo da periferia veio perturbar a paz sócio-ideológica que, como todos podem testemunhar, reina neste
país desde a (algo controversa, podemos admitir) derrubada da presidente Dilma
Rousseff, evento do qual os resultados alvissareiros para o povo e para a nação
justificam para a elite democrática os eventuais rompimentos da norma
constitucional.
Trata-se
aqui, sobretudo, de apaziguar, reconciliar o Brasil com sua história e seu
presente. A democracia brasileira, firme em suas fundações, abraça diferentes
pontos de vista desde que a legitimidade do atual regime da democracia
reformada em 2016 não seja posta em dúvida.
Como escreveu
um renomado intelectual: a violência, mesmo simbólica, contra uma estátua, não
tem lugar na política. Proposição
renovadora em muitos aspectos, mas que, mal interpretada, poderia levar à uma
indesejada abolição de forças armadas e forças policiais por disfuncionais ou
desnecessárias.
Corretamente entendida significa: não serão
toleradas manifestações de força, mesmo simbólica, pelas classes subalternas. A
paz democrática que reina no país hoje assim exige. E deste modo, nosso projeto
está plenamente justificado.
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