A confissão espontânea de um chefe militar. E agora, senhores?

Marcelo Guimarães Lima


O que vai na cabeça de um ministro do STF? O ministro Fachin, colaborador e defensor da Lava Jato, reage publicamente às “revelações” do general Villas Boas sobre a participação da cúpula das Forças Armadas no golpe contra a democracia brasileira, na ilegal prisão de Lula e na eleição administrada do Inominável, ex-militar e presidente “acidental” no direcionado processo do caos nacional atual. 

A revelação do general é um típico segredo de Polichinelo. Portanto, não nos parece muito sério da parte do ministro externar sua “indignação” pública sobre a confissão golpista do general como se ele, Fachin, enquanto membro do STF, não tivesse participado de algum modo, por ação ou omissão, nos acontecimentos e nada soubesse sobre o golpe de 2016 e a interferência do Partido Militar na vida institucional da nação. Não fica bem tamanha confissão de “ingenuidade”. É pouco convincente, infelizmente. 

A resposta do general ridiculariza o ministro do STF: indignação tardia, declara o general, ou seja, se não é pura ignorância, algo inadmissível da parte de um ministro do tribunal superior é, implicitamente, contestação falsa, puramente “pro forma” e, com tal intervalo de tempo, algo “tímida”, digamos por caridade. Por outro lado, seria a vaidade o móvel do general para confessar o que qualquer um com dois neurônios funcionando no cérebro e com alguma vivência da história recente e passada do Brasil já havia claramente compreendido? 

O registro público do general, uma confissão de crime contra a constituição, contra o ordenamento político, contra a nação, vai ficar no registro histórico. Ao menos que o general acredite que a história é aquilo que os poderosos do momento declaram ser, que os fatos e juízos históricos são o que o poder declara que sejam. Se o Brasil persistir como nação no tempo (contra a atual regressão neoliberal-colonial) haverá um julgamento futuro da era do caos bolsonarista e de seus mandantes, agentes e beneficiários. O general se orgulha do seu feito, é evidente. Pode contar com a tradição de impunidade iniciada com a ditadura de 1964. O Brasil não puniu torturadores, não puniu militares golpistas no passado. Puniu com a morte e torturas os opositores da ditadura.

O general faz troça da consciência nacional, hoje e amanhã. Impressiona a falta de um mínimo de seriedade no modo como encara o país ao qual deveria servir. Neste particular, o general expressa a ideologia autoritária da cúpula militar (braço armado da classe dominante brasileira): a do poder pelo poder (com suas obvias vantagens materiais e profundas gratificações psicológicas) que a ideologia jurássica da Guerra Fria, o “anticomunismo” genérico, e dos “valores” ditos “tradicionais” mal disfarçam. 

A doutrina da ditadura militar da chamada “segurança nacional” designou de fato o povo brasileiro, as classes populares, como inimigo do estado. Seria interessante fazer ver ao general e aos ideólogos da Escola Superior de Guerra (Interna) a sua proximidade neste particular ao pensamento anarquista e marxista revolucionário: o estado como instrumento de opressão de classe. Apenas a ideologia do Partido Militar revela na prática, e na confissão auto satisfeita do general, mais do que deveria: o que sobra do estado brasileiro no regime golpista é o sustento das estruturas de opressão e exploração do povo, nada mais. A barbárie é hoje o horizonte do poder de classe, sobretudo na periferia da ordem neoliberal mundial, e estamos conversados.

Recentemente, o ministro Fux, defensor da lava jato e “legalista” contra o impeachment de Bolsonaro, lecionou ao vivo o presidente fake do Brasil, sobre o obscurantismo negacionista na questão do Covid19 e o desastre da saúde pública (fruto da inação do desgoverno Bolsonaro). Aos seu lado, o Capitão do Caos parecia impassível escutando o discurso do magistrado. Me lembrou uma anedota sobre Stálin no período da guerra europeia, ao ser alertado a não hostilizar o Papa em Roma para não ter o influente chefe da Igreja Católica como adversário, retorquia a seu interlocutor: “Quantas divisões (militares) tem o Papa?”. Quantas divisões tem o STF e seus digníssimos ministros como Fux, Fachin e Gilmar Mendes?

O ministro Gilmar Mendes é hoje crítico incisivo da Lava Jato. No período do golpe de 2016 não foi tão estrito na defesa do justo processo legal. Como chegamos ao atual contexto de esfacelamento da hierarquia jurídica e supressão das garantias legais pelos agentes da República de Curitiba, pergunta o ministro. Diríamos: muitos colaboraram para tanto por ações e por omissões conscientes e decisivas. Muitos no judiciário.

É fato que o Capitão do Caos flerta com o golpe armado “decisivo” dia sim, outro também. Para tanto conta com o olhar distraído dos chefes militares, dos parlamentares e do próprio STF. Bolsonaro promove o armamento generalizado, “legalizado”, que beneficia milicianos em geral e os seus em particular. Ninguém sairá incólume de uma tal aventura neofascista: nem o STF, nem o parlamento, nem as Forças Armadas e a sua “sacrossanta” hierarquia. Não é preciso clarividência para ver isso. É preciso uma boa dose de cegueira ideológica, de “timidez preventiva” e de cooptação circunstancial para não ver. 

Aparentemente o ministro Fachin passou o processo do golpe de 2016 até o momento sem atentar para a interferência do Partido Militar na vida política do Brasil. Os ministros do STF tem agenda cheia com seus compromissos profissionais e pouco tempo para reflexões outras, sem dúvida esta é uma explicação possível. A questão agora que sabe é: que fazer a respeito? As instâncias legais brasileiras têm uma confissão pública de um general sobre suas atividades contra as instituições da democracia. Que fazer? Emitir uma nota pública e dar o assunto por encerrado? É isso mesmo, ministro Fachin e demais ministros, legisladores, senhores da imprensa, brasileiros “do bem” em geral? 


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