A COERÊNCIA DA INCOERÊNCIA: BOLSONARO DEFENDE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO (!!!) E PROCESSA O CARTUNISTA AROEIRA
.Marcelo Guimarães Lima
Entre
as indas e vindas do (des)governo Bolsonaro, aparentemente sustentado
por um aparato militar mais
e
mais ostensivo e protegido pela coalizão neoliberal interna e
externa, o fio condutor que podemos discernir é o método da
provocação e do confronto que tem caracterizado o comportamento do
presidente acidental do Brasil.
Confronto
com os partidos, com parte da mídia, com instituições várias no
país e no exterior, com a opinião pública nacional e
internacional, com governadores, antigos aliados, etc, etc, a lista é
longa e algo diversificada e inclui agora, como inimigo crucial e
poderoso ameaçando o estado nacional, a estabilidade e mesmo a
continuidade do governo, o talentoso, e portanto demasiado perigoso,
cartunista Aroeira.
Enquanto
escrevo estas linhas, a crise na coalizão antipopular e antinacional
que tomou de assalto o poder de estado por meio do golpe
parlamentar-midiático-jurídico de 2016 parece se agravar com
confrontos entre ativistas profissionais da extrema direita e o STF,
entre Bolsonaro e as instituições ditas ainda democráticas, as
mesmas que facilitaram a eleição do amigo dos milicianos do Rio de
Janeiro, e que agora tentam controlar minimamente o Frankestein que
produziram.
Aparentemente,
parte da burguesia brasileira se vê no incômodo papel do aprendiz
de feiticeiro.
Por
outro lado, as ruas auspiciosamente começam movimentações de
defesa popular contra Bolsonaro, que tenta manobrar entre sua guarda
familiar pessoal, os interesses conflitantes dentro dos grupos no
poder, a política tradicional e a sua troupe
particular de alucinados profissionais da extrema direita brasileira.
Como resposta aos ventos democráticos de contestação que começam
a soprar no país, Bolsonaro recorre ao método da intimidação,
ameaça de violência, chantagem.
No
país da chamada piada pronta, o nazifascismo brasileiro conta com
militantes negros, pardos e das muitas cores que formam o Brasil,
conta com ex-feministas, com notórios políticos condenados por
corrupção, com mercadores da religião, com moralistas que pregam
extermínio de minorias e adversários reais ou imaginários, em
suma, um amalgama que de alguma forma acaba por comprometer o
sentido, as promessas, premissas e ideais da ideologia originária.
Mas
se a situação não é nada boa para o povo brasileiro no atual
regime pseudo ou pós-democrático, também não está lá muito
propicia para o projeto ditatorial de Bolsonaro e militares. Nas
declarações mais recentes do presidente acidental em defesa
vigorosa das ações subversivas de seus militantes de extrema
direita investigados pelo STF, Bolsonaro se autodefine como
intransigente defensor da constituição, das leis, da democracia e
se declara inimigo de qualquer projeto autoritário de poder no país!
Cá
com meus botões, pois não tenho informações privilegiadas sobre
os bastidores do poder, fico matutando se a razão de Bolsonaro não
ter assessores de imprensa profissionais é apenas pelo custo
financeiro de um profissional qualificado ou é por pura
incompreensão das suas próprias limitações pessoais e
institucionais?
O
discurso de Bolsonaro, pelo que pude ler, me parece ter sido escrito
por seu filho Carlos, popularmente conhecido como Carluxo. Me lembra
uma foto onde aparecem Carluxo e seu primo no ambiente doméstico,
descontraídos e sorridentes junto com um bem cuidado cachorrinho da
raça poodle. O cachorrinho, tal qual um amigo indiscreto ou mesmo um
reles cagueta, parece dar o tom da cena toda: retrato quase
estereotipado de um núcleo familiar feliz!
Bolsonaro
pai em seu discurso recente pronunciando as palavras e expressões
autoritarismo, abuso
de poder, liberdade, defesa da constituição, se
dizendo de modo novo e enfático defensor intransigente da democracia
e da liberdade de expressão, se autoincrimina de maneira mais do que
evidente: em um discurso de duplo sentido raso afirma o que nega,
nega o que afirma, assinala e significa claramente o contrário
daquilo que diz. Evidentemente há método nesta loucura.
Bolsonaro
diz o que pensa, mas não pensa o que diz.
A
coerência da incoerência, de morder e assoprar num mesmo movimento,
na semana em que o presidente autodeclarado defensor da liberdade de
expressão coloca o poder policial do estado contra o talentoso
cartunista Aroeira, se revela então, precisamente, como método
de alimentar
a confusão, estabelecer
o caos permanente,
confusão que foi
condição da ascensão
de Bolsonaro e é
condição
da continuidade de seu desgoverno.
O
lado trágico da tragicomédia fascista é que o país não aguenta
mais um desgoverno de tamanhas proporções. Segundo
a porta-voz da família Marinho, a jornalista Míriam Leitão da TV
Globo, que contribuiu profissionalmente para o golpe e eleição do
atual presidente, o país não aguenta mais dois anos de Bolsonaro.
Creio
que a família Marinho, apesar dos protestos, aguenta sim. E com ela,
os promotores, agentes e beneficiários do neoliberalismo no país.
Já para o povão, os trabalhadores, os marginalizados e excluídos
em geral e mesmo para a
nossa decadente classe média, Bolsonaro é uma carga além do limite
tolerável, um fardo ruinoso que deve ser deixado de lado o mais
breve possível.
Os
ventos mudam. As eleições americanas podem finalizar a era Trump,
com muitas repercussões aqui, não tão auspiciosas para os
bolsonaristas e a
extrema direita em geral.
A massa se revolta contra a repressão, contra o assassinato à luz
do dia pela polícia de cidadãos negros desarmados nos EUA. A
revolta repercute globalmente. Os símbolos históricos do status quo
são atacados em vários países: algo como uma incipiente
revolução cultural,
revolução simbólica, se inicia e anuncia mudanças mais profundas
na disposição e consciência das massas.
A
experiência neoliberal brasileira se iniciou com algum atraso no
plano global com
Collor. Prossegui com vigor sob Fernando Henrique Cardoso e sofreu
alguns percalços
nos governos do PT. Bolsonaro, após
Temer, instituiu a
versão ainda mais perversa e superdimensionada do neoliberalismo
periférico. Ela cobra agora, não apenas o sangue, mas a carne, a
ossatura e mesmo a medula óssea dos brasileiros. A crise da saúde e
a crise econômica que, agravadas pelo desgoverno, crescem sem alívio
no horizonte, deixam claro que derrotar Bolsonaro e tudo que ele
representa é agora questão de vida ou morte para a maioria.
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