Os Farsantes

Marcelo Guimarães Lima





Estranho país se tornou  a antiga Terra dos Papagaios dos mapas renascentistas. Bizarro momento este em que assistimos uma espécie de ópera-bufa da qual participam os chamados “condutores da nação”, apoiadores ou opositores do atual chefe de estado do inusitado regime “sub-democrático” (?) no qual vivemos atualmente, os comparsas do atual mandatário, os meios de comunicação, comentaristas diversos, jornalistas profissionais ou avulsos, manifestantes profissionais, isto é, remunerados ou os ocasionais voluntários da indignação seletiva e do moralismo de botequim ou, mais propriamente, moralismo de prostíbulo exposto em praça pública, etc.

Todos parecem neste momento insólito representar, sem muita convicção, seus papéis. O presidente acidental ameaça um golpe, dia sim outro também, como um criminoso que anuncia seus planos aos quatro ventos, alertando a vítima indicada sobre o crime que irá cometer...tão logo..!

Protestam indignadas suas vítimas apontadas: os outros poderes da República, a imprensa enquanto autodesignada vestal da democracia que ela ajudou e ajuda a devastar, e tímidas ou aparentemente veementes reprimendas se ouvem por toda a parte e mesmo entre os comparsas do golpe, o que já foi dado e o que se planeja realizar.

Quando o absurdo é demasiado convém buscar, por detrás da fachada, os elementos de racionalidade  que aí se ocultam. Ao menos assim exige, correta ou incorretamente, a natureza da razão humana que não pode se dar por vencida, sem contenda, pelo contrassenso ou pelos os fatos como são ou não são.

Assim, a hipótese seria que na verdade assistimos outra forma, e muito sofisticada, de espetáculo: uma espécie de meta-dramatização, ou comédia autorreflexiva, em que a grosseria, a crueza, a vulgaridade, a covardia que se apresenta como seu contrário, a ignorância, o contrassenso frontalmente expostos ad nauseam efetuam algo como um distanciamento, como na concepção do teatro de Brecht: o patente absurdo, o excesso, a redundância enfatizando a representação como artifício. Deste modo os espectadores são alertados e como que despertam do envolvimento puramente emocional na trama para refletir sobre os significados do drama apresentado e sobre suas próprias reações: o resultado é algo como uma catarse da catarse.

Mas esta hipótese é, seguramente, arriscada, far fetched na expressão inglesa, ou seja, demasiado elaborada, dada a qualidade, ou a desqualificação, dos envolvidos e o que sabemos da nossa miséria intelectual, moral e material.

Mais provavelmente, o que assistimos na Terra dos Papagaios é algo familiar na sua aparente (ou atual) incoerência, algo mais próximo da suprarrealidade brasileira, este país proibido, país imaginário, uma nação que, ontem como hoje, por decreto de suas “elites” não pode ser.

O que assistimos é o que parece: uma espécie de “chanchada” real ou, mais modernamente, um “Faustão” generalizado: espetáculo monótono, indigente, degradante, imbecilizante, cuja função é entreter as tardes de domingo para garantir que as segundas-feiras da vida prossigam sem perturbações.

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