"Conta que é torturador Não é nada pessoal" - Guinga e Aldir Blanc (1993)


Par Ou Ímpar
Guinga / Aldir Blanc
1993


Contar pra vocês
O torturador que tem soco inglês
Mudar não mudou...

Lá em Xerém
Vilmar, o para-militar, bate bem
Numa pelada fuderosa
Onde não tem pra ninguém
Ele só chama adversário
De meu anjo e neném
Mas quando baixa o santo ruim
É pé na cara
E, olha bem,
Lambe o bigode assim PC
Dá de madeira em você
Por tudo que ce disse
E não disse
No fim, pede uma pizza de aliche
Diz que tá lendo Frederico Nietzsche

Conta que é torturador
Não é nada pessoal
Se convocado outra vez
Volta e me mete o pau, uai!
Aí, eu jogo pinga na língua
Que imita a ginga
Do Nelso da Capitinga
Que xinga
Mas a catinga
Diz que eu me sujei


De 1993, a canção "Par ou Ímpar" de Guinga e Aldir Blanc ganha atualidade no Brasil de Bolsonaro, o presidente que tem por meta retornar aos tempos da ditadura militar, desta feita, com a vassalagem explícita e desavergonhada ao Império, comandado ou simplesmente representado, no momento, por Donald Trump, e seus aliados de extrema direita no mundo.  

Vilmar, o para-militar, "se convocado outra vez volta e me mete o pau" escrevia Aldir Blanc e caracterizava assim um aspecto central do processo  de  "transição incompleta" do país para a democracia pós ditadura militar. A disponibilidade "profissional" do para-militar "que tem soco inglês. Mudar não mudou" no verso do poeta, apontava a impunidade de fato estabelecida no processo de superação da ditadura,  o "olvido" dos crimes cometidos , o fato de que nenhum torturador ou general mandante ter sido julgado e assim, a recusa do país em confrontar seu recente passado autoritário de crimes hediondos. Crimes "justificados" pela ideologia pseudo-cristã e "ocidental", tênue véu ideológico para a exploração do povo por um capitalismo retardatário conduzido por uma lumpenburguesia subordinada  e violenta. 

À sombra desta democracia incompleta vicejou e eclodiu, no contexto da crise mundial atual, uma direita que toma hoje explicitamente  revanche contra os ensaios civilizatórios pós-ditadura. A aventura Bolsonaro revela o sistema jurídico, a estrutura militar e policial, o sistema dos partidos, o sistema de comunicações no Brasil como cúmplices de um processo que, cedo ou tarde, cobrará um elevado preço aos seus mandantes, executores e beneficiários, comparável ao sofrimento que em primeiro momento estes impõem à nação. A democracia que ruiu como um castelo de cartas, terá que ser reinventada, e será, pela ação do povo. Os ataques recentes de Bolsonaro aos intelectuais, à cultura brasileira, à educação fazem parte desta visão totalitária, regressiva, anti-povo e anti-nação.

Interessante notar que as obras de Guinga e Aldir Blanc, como de tantos outros criadores e interpretes de grande qualidade na musica popular brasileira atual, não tem a difusao que deveriam ter nos meios de comunicação monopolizados do Brasil. A luta pela cultura e pelas artes brasileiras é, no contexto atual, imediatamente luta por uma nova democracia, por justiça, pela autonomia popular e nacional.

Marcelo Guimarães Lima


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