O GOLPE DE BOLSONARO E SEUS FANTASMAS

 Marcelo Guimarães Lima




Será que foi mesmo golpe? Alguns entendidos se perguntam, os especialistas diplomados ou não, os curiosos e cuidadosos da opinião própria e da alheia, os palpiteiros, amadores e profissionais, entre tantos outros e mesmo a imprensa dita “grande” com sua visão bastante peculiar do país e do mundo.

Afinal, um golpe sem tanques nas ruas, com uma tropa de choque composta majoritariamente de civis aliciados pela internet, amadores dos confrontos físicos, vândalos de fim de semana, com planos manuscritos e documentação distribuída em mensagens, guardadas em nuvem, esquecidas em gavetas e escrivaninhas, planos anunciados entre os parceiros e gravados em reuniões presenciais, etc., foge ao que conhecemos ou acreditamos conhecer sobre golpes a partir de abundantes exemplos na história brasileira. Ou assim parece. Um golpe sem apoio assegurado do Grande Irmão do Norte é plausível? Seria um novo tipo de golpe? A pergunta é pertinente se lembrarmos a novidade que representou o golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016 apoiado pela cúpula militar. Seria uma espécie de ensaio? Estratégia do “se colar, colou”?

Essa última hipótese nos remete à conhecida avaliação atribuída ao insigne presidente da França, o General De Gaulle, que no século XX afirmou: “O Brasil não é um país sério”. Nem os golpistas são sérios no Brasil. Exceto, talvez, na história recente, no exemplo tenebroso do golpe de 1964 e a ditadura militar comandada por generais que se anunciavam como “moralizadores”, cristãos conservadores e administradores eficientes em um país em crise e que rapidamente se revelaram como torturadores, assassinos, incompetentes e corruptos. Seria preciso lembrar mais uma vez que nenhum torturador ou general golpista, nenhum dos apoiadores, aliados e beneficiários da ditadura militar foi punido no Brasil? A ditadura militar, com seu “anticomunismo” genérico de manipuladores e semiletrados, fez escola e produziu seus filhotes nas instituições e na sociedade civil. Bolsonaro é um deles.

Como tudo que diz respeito a Bolsonaro e os seus comandados, o amadorismo, a improvisação, o acanhado de uma visão de mundo circunscrita às práticas da corrupção normalizada e normativa do baixo clero parlamentar, com suas rachadinhas e tráfego de influência, à subcultura da exploração de populações marginalizadas, como ocorre nos subúrbios do Rio de Janeiro, quer dizer, ao pragmatismo miliciano, o golpe temido, aguardado e anunciado se revelou um passo maior que as pernas, um wishful thinking, um mero desejo de narcisistas sem meios reais de realizar o que prometiam. Nada sério, portanto?

Qual seria, então, o critério segundo o qual teríamos a certeza definitiva a respeito da questão, que persiste entre muitos, tanto doutos quanto amadores da atualidade, das redes e do noticiário, sobre o golpe de Bolsonaro? Demasiado “rigor” analítico nos levaria à conclusão algo paradoxal de que o triunfo dos assinalados golpistas seria o critério último e inquestionável das ações e intenções da súcia da extrema-direita e seus aliados liberais engravatados, profissionais, homens de negócios, congressistas, parajornalistas, senhores do Partido da Imprensa (Golpista), etc.

Neste caso, se a experiência histórica brasileira tem alguma pertinência, não estaria eu aqui escrevendo este texto. Muitos de nós não estaríamos no país, mas no exílio, não nos afazeres cotidianos, mas nas prisões, entre interrogatórios e torturas.

Os envolvidos tem suas razões para negar os fatos, ou a “interpretação dos fatos” que os classifica, entre outras coisas, e entre vários crimes imputados, finalmente de incompetentes: de golpistas malogrados. O que é evidente é que estes senhores não praticaram meros “crimes de opinião” ou expressões de fantasias fascistas. A prática da chantagem não é simples palavrório, ou delírio de irresponsáveis, mas crime tipificado. Por não ter punido generais torturadores, seus comandados e apoiadores no final do regime militar no século passado, vivemos sob a chantagem das direitas e das cúpulas militares, chantagem até aqui naturalizada no cotidiano e na vida institucional do país.

A assinalada tentativa golpista de Bolsonaro, seus militares, seus empresários amigos, sua tropa no parlamento, é mais um crime dentre o dilúvio de crimes denunciados (e engavetados) na sua presidência, crimes contra as normas legais, contra o povo brasileiro, contra a nação. Bastaria lembrar sua conduta negacionista, conduta passível de responsabilização penal, durante a pandemia e as mais de 700 mil vítimas da Covid como resultado direto de ações e inações do seu desgoverno.

Não faltam razões para julgar Jair Bolsonaro. Na história moderna do país o domínio conservador tem secularmente, sob formas diversas, alimentado condutas autoritárias e estruturas excludentes, o preconceito racial e de classe, a repressão violenta e a exploração desenfreada das massas populares, dos trabalhadores, das várias minorias, dos povos indígenas. A eventual condenação e prisão de civis e militares fascistas abre algumas perspectivas na história refreada e retrasada do país. Com todas as evidentes contradições da conjuntura inaugurada com o golpe de 2016, será como uma primeira fissura no muro da impunidade que cerca os de cima, os acaparadores da riqueza nacional e seus prepostos nas instituições da sempre precária e ameaçada democracia brasileira.






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