Os Novos Isentos e a Crise Mundial

Marcelo Guimarães Lima

Aqueles que apoiaram Bolsonaro, ativa ou passivamente, nas eleições passadas, principalmente os membros da classe média brasileira, tem hoje uma curiosa reação ao mais que evidente impasse nacional e ao papel do líder da extrema direita brasileira na gênese e no agravamento da crise social, política e econômica no Brasil, refletindo a realidade da crise do sistema mundial hoje.

Quando o tema é a incompetência, a enorme ignorância e vulgaridade e, digamos diretamente, a agressividade, a maldade destrutiva antinacional e antipopular do amigo e protetor de milicianos, hoje no papel que lhe foi confiado de representante dos interesses da classe dominante brasileira, os recém-convertidos “isentões” tentam por todos os meios mudar de assunto.

Discorrem em termos genéricos sobre a gravidade do momento e protestam contra uma suposta “fulanização” da crise, contra a polarização, na qual tiveram parte ativa consumindo e replicando com satisfação os ataques constantes da mídia monopolizada do Brasil a Lula e Dilma, ao “PT” genérico, aos “comunistas” em geral, sendo alimentados e alimentando a histeria oportunista e reacionária, as aberrações lógicas e éticas que, naturalizadas pela televisão, os jornais e parte das redes sociais, passaram a ser a atmosfera cotidiana da vida no país, preparando e consolidando o golpe de 2016.

Face ao desastre longamente anunciado e hoje escancarado do (des)governo Bolsonaro, muitos dos novos “isentos” apelam ao nobre sentimento nacional, apelam a um patriotismo vago, incolor e inodoro, apelam à compaixão genérica e passiva para com os “outros”, a massa desfavorecida que o golpe de 2016 e, na sequência, o desgoverno Bolsonaro atacou de modo vil e cruel (assim como atacou trabalhadores e a própria classe média) e continuará atacando até onde a crise permitir e usando a crise para aprofundar um projeto de antissociedade e antinação ao estilo Tatcher-Reagan-Pinochet. Projeto “renovado”, aprofundado e adaptado ao novo século, mas que não nega sua origem histórica no período, tão “longínquo” e tão próximo, das ditaduras militares na América Latina sob a hegemonia e o suporte ativo dos EUA.

Tais apelos à “responsabilidade” e “neutralidade partidária” tem por finalidade evidente isentar de responsabilidade real os novos viúvos e viúvas do bolsonarismo, isentar os “isentões” e assim salvaguardar seus sentimentos e convicções profundas, reiterar o seu amor-próprio que não pode  de modo algum ser abalado, confirmar, ainda que seja “clandestinamente” dado o novo contexto, as certezas absolutas de quem duvida de tudo que possa contradizer minimamente seus preconceitos. Certezas desnudadas hoje pela realidade da crise, mas que devem ser guardadas para uso público quando novas oportunidades surgirem.

Unem-se neste processo de um lado a covardia, de outro a má-fé. Receita de desastre na vida pessoal de todos e qualquer um, aqui sim, independente de determinações outras, de partidarismos reais ou imaginários, cor dos olhos, estilos de vestimentas, etc, etc.

A crise brasileira é parte da crise mundial: crise estrutural, crise do sistema, ou seja, crise das formas de vida hoje impostas mundialmente por uma minoria de beneficiários. A atual pandemia do corona vírus, unindo-se à fragilidade da economia global em perigo de desintegração, veio desnudar o ponto de inflexão no qual nos encontramos. A crise mundial exige soluções locais: a raiz das soluções globais está nas iniciativas de todos e cada um.

Uma sociedade não pode seguir por muito tempo em períodos críticos ignorando ou fingindo ignorar suas reais mazelas, tentando adiar as escolhas que a realidade exige sob pena de sofrimentos ainda maiores dos que os temidos conscientemente, os que se evidenciam em toda mudança. Aos novos isentos lembramos que a sua neutralidade imaginária é engajamento de fato na continuidade da crise. Ou escolhemos um caminho novo para todos, mais justo e racional, ou nos serão impostas formas de vida ainda mais excludentes que as atuais.

Os desafios, as dificuldades, as mudanças que a realidade impõe na vida de cada um e na vida das sociedades tem um custo proporcional à coragem das iniciativas de fato para enfrentá-las, para mudar a vida e nos transformarmos a nós mesmos - ao mesmo tempo condição para e resultado da transformação da realidade.

Comments

  1. A ESTÉTICA NAZISTA E O MEDO DA ARTE.

    Opinião:
    Tem gente que é enganado a vida toda e não aprende, pois estão tão ligados a um colonialismo cultural e mental, que acham que frear o tempo é a melhor maneira de combater a evolução dos valores morais e culturais de um povo, quiçá, toda a espécie humana, que evoluiu significativamente em todo o mundo.

    Mas eis que surge de repente um representante politico destes valores deteriorados. Alguns acham que este "Messias" será a luz da salvação da nação, para ressuscitar os valores morais e conservadores dos tempos coloniais, com seus escravos, reis, coronéis e chicotes, sendo ele, assim, a única solução aos problemas da modernidade do mundo que tanto os apavora.

    (... ) Que bom seria se esta geração de velhos, tolos, ignorantes e defensores de tempos arcaicos passassem logo ao mundo dos mortos, dos esquecidos e sem legado, pois de tudo que lhes sobraram da alma foram a poeira de um sótão velho; com fotos antigas, medalhas, uniformes apodrecidos, livros sem capa e com histórias sobre outros mortos, soldados da ditadura e guardiões da tirania disfarçada de moralidade absoluta, além de um porão de sofrimento, destes e daqueles que eram acumuladores de lembranças e tralhas velhas, como estes homens, que hoje vocês tanto idolatram e veneram.

    Estas múmias dos mortos de tempos antigos, hoje, nada acrescentam a modernidade do nosso tempo, pois até estes fungos, ácaros, mofos, vírus e micróbios, destes corpos latentes e moribundos hoje já são conhecidos e combatidos, com medicina moderna e antibióticos potentes, impedindo assim, de dizimarem novamente as nações com seu ódio, preconceito, extermínio em massa, guerras ideológicas e sua patológica visão de mundo (obtusa e distorcida), sobre o que são valores éticos e morais.

    (Ney Araujo)

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  2. Análise interessante, um bom diagnóstico. Acredito que o coronavírus coloca em nova perspectiva a luta de classes. É bem provável que os neoliberais retrocedam e a social democracia venha para restabelecer o equilíbrio do sistema, o sistema produtivo deverá ser repensado, a chamada revolução 4.0 produz um desequilíbrio social/econômico tão grande quanto o coronavírus, isto faz com que a sociedade global tenha de encontrar uma saída política, a utilização da força não resolverá os conflitos sociais que se agudizam.

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